Dissonância Cognitiva. Um problema ou um requisito?

Você com frequência tem que se convencer que está fazendo o certo? Se irrita quando um funcionário faz perguntas demais? Acha que ter que esclarecer qualquer coisa é ser interrogado? Acha que quem pergunta demais é reacionário, revolucionário, polêmico e criador de caso?

Se respondeu sim, é bem possível que você esteja gerenciando em um estado de dissonância cognitiva.

A Dissonância Cognitiva

Um pouco de psicologia 101…

O que é?

É um estado psicológico em que a realidade ou as ações do indivíduo não condizem com a crença deste indivíduo. Então, para resolver o conflito entre ações e crenças com a realidade, o indivíduo age e busca ou fabrica novos pensamentos.

Pode-se, basicamente, resumir que dissonância cognitiva são as ações subsequentes a uma quebra de paradigma, recebimento de novas ordens, mudanças de curso e etc.

A dissonância começou a ser estudada por Festinger em 1957 e muito rapidamente encontrou aplicações no estudo de comportamento de consumidores e em gerenciamento, para entender o comportamento das pessoas frente a mudanças. Não existe muito consenso sobre exatamente os efeitos que as pessoas usam para resolver suas dissonâncias. Então ainda tem muita agua para rolar neste ramo…

Efeitos Positivos e Negativos

Por definição, todo aprendizado que mude algum conceito que uma pessoa tem gera certa dissonância cognitiva. Embora seja um estado psicológico desconfortável, como são todos os estados de conflito, não é, necessariamente uma coisa ruim. Ao se confrontado com o novo, o indivíduo irá modificar-se para adaptar-se a esta nova realidade de forma que a mesma tenha sentido. Ou irá modificar suas ações para que passem a refletir aquilo que acredita.

Isto se tudo ocorrer bem.

Não há garantias que um indivíduo vá ter ações nobres ou corretas ao enfrentar casos de dissonância cognitiva. Para resolver o conflito, é possível adotar outras posturas não construtivas como negação, transferência e etc. As vezes, dependendo do apego da pessoa a determinada crença, até mesmo atitudes extremas de negação podem acontecer, com forte tendências a radicalismos.

A Dissonância Gerencial

Cai-se em dissonância. Mas como, gestor?

Como um gerente cai em estado de dissonância…

Normalmente são os gestores os mais afetados por este quadro. Quando recebem uma ordem top-down sobre algo que não concordam, o gestor entra em em Dissonância cognitiva: ele deve agir contrário a sua crença. Então, é possível o gestor (1) aceitar a ordem ou, (2) conviver com o conflito. Nem sempre se aceitam todas as ordens então, é um requisito de cargos gerenciais lidar com essa situação estressante.
(Por isso gerentes tendem a ter salários maiores: o resultado disso sobre o indivíduo é extremamente danoso).

Contudo, executar ações sem acreditar nelas quando sob a forma de ordem é combatido com o “estou seguindo ordens” e, portanto, acabam compensando desta maneira. Isso é, basicamente, uma reação de fuga: cria-se uma explicação palpável de forma a resolver o conflito cognitivo.

Existem várias outras situações que se apresentam ao Gestor que podem levá-lo a dissonância cognitiva que, quando não resolvida, pode colocar o gestor em um estado psicológico frágil. Neste estado, o gestor passa a não tolerar qualquer comportamento que exponha o seu conflito cognitivo. Não é incomum julgar como problemático o funcionário “perguntão”.

A Liderança se constrói sobre princípios. E estes princípios podem mudar. Mas um gestor que esteja em uma situação exagerada de dissonância, tendo que mudar todas as crenças que tem… Seria o caso de perfil errado? Ou seria o caso de que a pressão pelo negócio exija comportamento exageradamente flexível?

Solução. Para cada um, uma receita.

Adotar mecanismos de fuga, negação e não resolver a dissonância é o pior. “não pensar a respeito” só vai agravar a condição e levar a tomada incerta de decisões. Isso abre caminho, aos gestores que tem consciência, que a mesma fique pesada.

Primeiro: antes de acabar mal, agressivo e, pior, descontando em todo mundo o resultado de sua dissonância cognitiva, determine um limite do que pode ser flexibilizado. Esse limite você saberá ao definir até onde você vai para manter um emprego. Eu ouvi de um grande executivo a seguinte frase:

I’m confortable to loose my job over this.

Aquilo significava um limite de dissonância suportável. Essa quantidade é individual: conheço gente que se humilha, mas não perde o emprego. Conheço gente que não leva nenhum desaforo. Portanto, a quantidade suportável por cada indivíduo é única.

Liderança e Dissonância

Quem nunca viu um profissional de alta performance dar xiliques? Pois é. Normalmente, basta uma ou duas perguntas para o profissional perder a cabeça e descarregar no mundo todo seus problemas. Se o “dissonante” ocupar um cargo gerencial, pode até acabar demissão de todos os elementos indesejáveis. Como desculpas nunca faltam, qualquer coisa que ajude a mascarar a dissonância será empregado.

Aqui há uma curiosidade: a inovação é, por definição, um processo de crítica: julga-se a condição atual para gerar uma condição nova. Os talentos são pessoas inovadoras, portanto, com senso crítico. Imagina se um gestor, para aliviar os conflitos por dissonância que possui, passe a simplesmente demitir a todos? Sem talentos, um gestor vai fracassar. Resta apenas descobrir quando.

Liderar é gerar e conviver com um estado constante de dissonância cognitiva. Gerar dissonância para que os funcionários aprendam e evoluam. Conviver porque o meio em que um gestor está inserido não para de mudar. Este ponto é importante para gerar e entender as mudanças mais significativas na corporação.

De todos os cursos de liderança que eu recebi, se tem uma sequência de perguntas que eu nunca consegui boa resposta foi: “e se um potencial talento, com perfil de líder não comprar determinado pacote de ações, o que fazer?”

As respostas seguem um padrão: “tentar convencer senão demissão”. O que, na verdade, o “tentar convencer” significa é “gerar um estado de dissonância cognitiva no alvo” e esperar que o alvo então crie novas memórias ou crenças que compatibilizem com a nova realidade. Assim, um gestor vai usar melhor a capacidade do próprio funcionário em resolver suas dissonâncias cognitivas para o bem dele, do funcionário e da corporação.

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Sobre rftafas 183 Artigos
Ricardo F. Tafas Jr é Engenheiro Eletricista pela UFRGS com ênfase em Sistemas Digitais e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC com ênfase em Gestão de Sistemas de Telecomunicações. É também escritor e autor do livro Autodesenvolvimento para Desenvolvedores. Possui +10 anos de experiência na gestão de P&D e de times de engenharia e +13 anos no desenvolvimento de sistemas embarcados. Seus maiores interesses são aplicação de RH Estratégico, Gestão de Inovação e Tecnologia Embarcada como diferenciais competitivos e também em Sistemas Digitais de alto desempenho em FPGA. Atualmente, é editor e escreve para o "Repositório” (http://161.35.234.217), é membro do editorial do Embarcados (https://embarcados.com.br) e é Especialista em Gestão de P&D e Inovação pela Repo Dinâmica - Aceleradora de Produtos.
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