Por que Desenvolvedores não inovam?

Vela Apagada

Por que os desenvolvedores não inovam? Por que vemos tão pouca mudança nos produtos de tecnologia nacional? Por que vemos poucos produtos lançados primeiro no Brasil?

E vou começar me desculpando pois infelizmente eu não fiz um levantamento estatístico criterioso conforme a gravidade do tema exigiria. Não vou poder confirmar com números para fundamentar boa parte das coisas que escreverei nesta publicação, mas minha observação qualitativa me diz que o tamanho real do buraco pode ser muito mais embaixo do que eu imagino.

Se nós inovamos pouco, quais seriam as razões para isso? Porque insistimos tanto em não andar na ponta? Em usar coisas novas? O índice de profissionais early adopters no brasil é muito baixo. Dificilmente vemos uma empresa por aqui fazer algo mais do que “participar” da definição de padrões, do lançamento de produtos ou sistemas que não tenham algo parecido no mundo.

Eu vou tentar elencar abaixo algumas razões para isso.

A Cultura da Invenção

Inovar e Inventar

O Brasil não é um país inovador. Não, isso não tem nada a ver com inteligência ou capacidade. Não gostamos de fazer coisas chatas, gostamos de fazer aquilo que ninguém sabe. Gostamos de frequentar lugares onde temos poucos conhecidos, para depois contarmos maravilhas deste lugar que descobrimos.

Inventar é criar algo novo. Inovar, por outro lado, é melhorar algo que existe. Claro que há ciclos de criação dentro da inovação. É necessário criar e criatividade tanto para inovar quanto para inventar.

Como desenvolvedores, é comum torcermos nosso nariz para o desenvolvimento dos outros. Isso, por si só, evidencia nosso interesse em desenvolver apenas novos projetos e partir de uma folha em branco.

Uma tecnologia é a inovação sobre um conceito científico, sobre uma fórmula, sobre um efeito novo. Uma invenção é uma inovação sobre uma tecnologia. Um produto, por fim, é a inovação sobre uma invenção.

Um País de Inventores

Dizem que a necessidade é a mãe da invenção. O Brasileiro é um povo necessitado, portanto, inventivo.

Somos um país de inventores e pesquisadores, mas não somos um país de inovadores. A inovação é algo muito diferente da invenção, embora os dois conceitos sejam parecidos. Inventar é criar algo novo, ao passo que inovar é melhorar algo que existe. Uma outra forma de avaliar o caso é dizer que a invenção é uma ferramenta para inovar, ou seja, para melhorar algo é preciso inventar algo.

Independente disso, é notório que o Brasileiro não é muito chegado na tal inovação. Para mim, o exemplo maior disso tudo é o avião. Controvérsias à parte, mesmo que tenhamos inventado o avião, pegou-se esta ideia e… Apenas briga-se até hoje para garantir a invenção, mas eu nunca vi nenhuma discussão de porque só temos uma empresa que fabrica aviões por aqui.

A Cultura do Lucro

Lucro Rápido

Se ao mesmo tempo somos um país de inventores do lado técnico, do lado dos investidores somos um país que detesta investir em coisas que não dão dinheiro imediato. E então temos uma cratera gigante entre a invenção e o produto na prateleira.

Investir em inovação é custoso, difícil e não é sujeita a sucesso sempre. Como se quantiza quanto dinheiro um produto ainda não lançado trará para a companhia? Como se quantiza bens não tangíveis como propriedade intelectual?

Por justamente haver este buraco entre a aclamada invenção e o valorizado lucro, não há percepção de valor no meio do caminho, que é justamente onde estão os departamentos de inovação (e num maior escopo, até o departamento de produção). É muito comum inclusive algumas empresas considerarem que tais funções são perdas de dinheiro, custos que se pudessem deveriam ser cortados.

Eu considero isso uma visão muito distorcida do que realmente agrega valor em uma companhia. É óbvio que toda empresa deve maximizar o seu lucro, contanto que não arrebente justamente o que a mantém no mercado.

O problema do “lucro sobre tudo” me remete ao motivo pelo qual a pesca não existe sem peixes. Se pescados todos os peixes do rio, no outro ano acaba-se os pescadores. A capacidade de inovar são os peixes que ficaram no rio: é por ela que uma empresa se sustenta no mercado.

Risco Zero

Além dos problemas dos funcionários pouco pagos para correr risco, existe ainda um grande problema dentro das empresas. A cultura do risco zero.

Exigir que os funcionários façam avaliações e corram riscos é tão retórico quando empresas que desejam funcionários “com senso crítico“: todo mundo diz que quer, mas quando tem quer se livrar. Arriscar é tomar decisões que podem trazer um diferencial competitivo, caso deem certo.

Veja: caso deem certo.

Se fizermos uma avaliação, eu duvido muito que algum empresário ou diretor vá avaliar positivamente um funcionário que lhe deu prejuízo. Parece sensato se houve negligência, mas e se não foi este o caso? E se o funcionário tivesse desenvolvido algum tipo de estratégia com alto índice de sucesso, mas que poderia falhar e, infelizmente, tenha vindo a falhar?

O Brasil é um país que não remunera sucesso e cobra muito caro o fracasso. Fracasso aqui é tido como perda e, portanto, se de um lado vemos funcionários desinteressados em inovar, do outro vemos empresas que punem fracassos.

Temos o ambiente perfeito para manter tudo como está. E a ver o ciclo de vida das empresas por aqui (entre 25 e 30 anos) podemos concluir que a verdade não é muito longe disso. Nesse tempo, a empresa perde o gás, cai no ostracismo tecnológico, perde mercado e culpa tudo, menos sua própria falta de inovação.

Vamos a alguns raciocínios:

  1. Acertar é sinônimo de ser bom. Ser bom gera valorização. E ser valorizado, em algum momento, reflete no salário.
  2. Errar é ruim pois é o oposto de tudo isso.
  3. Errar é parte do processo de inovação.

Portanto, existe uma grande gama de empresas que forçam o funcionário a não inovar para não atentar contra a própria carreira e o próprio bolso. Porém, isso é um problema maior da empresa que do próprio funcionário.

O Ativo Imobilizado

Essa é principalmente válida para empresas que não são negociadas em bolsa de valor. Cabe a pergunta:

O que define o sucesso de um empresário dono solitário de uma empresa?

Antes da resposta, um raciocínio. Um apartamento para alugar. Interessa para quem vive de alugueis o valor de venda de um apartamento? Muito pouco. Interessa quanto estão os valores de aluguel nas redondezas e qual a renda mensal que este apartamento vai gerar. Se está em péssimas condições, mas gerando um aluguel acima de mercado, pouco importa ao proprietário.

Para responder então a questão, vamos avaliar as empresas. Se o proprietário ou acionistas não planejam em vendê-la, o que realmente importa é quanto dinheiro (cultura do lucro) é colocado no bolso do investidor. Se a empresa está bem ou mal, contanto que dê lucros, pouco importa.

A resposta é: o sucesso de uma empresa é medido em quanto dinheiro coloca no bolso dos donos.

Algumas empresas, portanto, são ativos imobilizados. Como um apartamento gerador de renda. Inovar, nestas empresas, é tirar dinheiro do bolso dos sócios e donos… Portanto, o fator de inovação em tais locais é mínimo.

O Desenvolvedor Apático

O Departamento de Projetos

Na maioria das empresas das empresas que possuem algum tipo de desenvolvimento, há um departamento de projetos. Não é um setor de inovação, não é um setor de Pesquisa e Desenvolvimento. É um mero departamento de execução de projetos.

Eu digo isto porque não é um departamento, de fato, de desenvolvimento: é um time que executa as funções técnicas conforme instruídos. Vamos avaliar como um novo produto nasce: normalmente, ou algum cliente leva a ideia até a empresa ou alguém descobre algum produto estrangeiro que cubra alguma fatia de mercado.

Dificilmente vemos estes profissionais escolhendo novas abordagens sobre produtos (novos processos, chipsets, arquiteturas, etc) sem a bênção da hierarquia superior. No máximo, e não é sempre, são apenas consultados para tal. Portanto, sem incentivo e sem algum motivador, os desenvolvedores evitam correr risco: não estão sendo pagos ou, muitas vezes, não são autorizados para isso.

A Cultura do Esforço Mínimo

A maioria das empresas que possuem algum tipo de desenvolvimento no brasil tendem a não remunerar muito bem estes profissionais. Algumas chegam ao absurdo de até mesmo sugerir que estes façam projetos “free-lance” e toleram o desvio de horas para tal.

Por causa disso, existe uma questão de remuneração (recompensa) versus esforço que não está balanceada. Uma pessoa não vai comprar brigas pela empresa se isso não representar algum ganho para ela. Eu comento no Autodesenvolvimento sobre o pacto de mediocridade: uma pessoa finge que trabalha para uma empresa que finge que paga bem. Assim, temos a cultura do esforço mínimo.

Nota: também no Autodesenvolvimento, eu recomendo que o funcionário JAMAIS adote esta postura. Ela nunca lhe trará benefício algum.

Sempre Se Fez Assim

Essa frase, sempre que surgir, considere que há inovação sendo martelada, soterrada e algo de muito, muito errado está acontecendo. Nunca vi essa frase sendo usada com motivos nobres: normalmente, é usada pelo pessoal mais antigo de casa, que já assinaram centenas de vias do pacto de mediocridade sobre o pessoal mais novo.

Muitas empresas tem a cultura da não-inovação, para não gerar conflitos ou complicações, funcionários tendem a acordar no mínimo. Nenhum profissional, por mais motivado que esteja, resiste quando é mal pago e pressionado pelos colegas para manter o status quo.

Cabe ao gerente de Desenvolvimento avaliar a capacidade de sua equipe e manter a mesma sempre afiada, para enfrentar novos desafios e não amedrontada, evitando toda e qualquer inovação para não ser punida.

Baixa Autoestima

Mal pagos, muitos desenvolvedores não adquirem novas habilidades por não ver sentido em melhorar. Como esta figura vai “sobrando” dentro da empresa, o gap de conhecimento dele e dos novatos é enorme; porém o gap de habilidades não. Normalmente são os primeiros a massacrar colegas inovadores e são também os primeiros a jogar a toalha em qualquer dificuldade e recorrer ao modelo ao qual estão acostumados.

Explorar o novo, o diferente deve ser bom, mas traz um problema: o profissional pode enfrentar dificuldade em aprender algo novo e revelar o seu receio de não ser tão bom quanto ele auto proclama ser. E isso é um problema muito grave de ego: como pode o desenvolvedor ser ruim com seus colegas se ele não detiver total domínio?

A baixa autoestima leva desenvolvedores a cometer atos repulsivos comportamentalmente, alguns que beiram a falta de ética, mas aqui, neste contexto, inevitavelmente o medo de ter sua própria imagem desmontada atrapalha o pensamento inovador.

Eu já penso diferente: se os desafios não existirem, não haverá nada, apenas o breu da mesmice. E nessa situação, a diferença entre ser muito bom ou muito ruim é nula…

Falta de Gerenciamento de Inovação

A maioria dos problemas de P&D surgem porque gestores de P&D não gerem um P&D. Eu costumo dividir os maus gerentes em duas categorias:

  • Os Desenvolvedores Sênior
  • Os Interfaces com o Comercial e Produção

Mas em nenhum dos casos nota-se Gerentes de Desenvolvimento preocupados com métodos, processos ou encaminhamento do time. Não se percebe cobrança (exceto quando a mesma afeta faturamento) ou preocupação com as carreiras dos desenvolvedores.

A falta de gerenciamento de engenharia é um problema gravíssimo aqui no Brasil. Tanto, que existe um artigo muito bom sobre a raridade de bons profissionais deste tipo.

Nota: eu considero isso tão problemático que este blog inteiro é uma tentativa de ajudar desenvolvedores e gerentes de desenvolvimento com tudo o que eu aprendi.

Conclusão

Este artigo infelizmente aponta alguns problemas de porque não vemos mais inovação no Brasil. Se há remédio para este problema? Sim. De curto prazo? Creio que não. Estamos melhorando ou piorando neste sentido? É uma boa pergunta.

Temos um ciclo perverso ao redor da inovação no Brasil: empresas que não valorizam profissionais, profissionais que não adotam posturas de inovação e crescimento. Eu sugiro sempre que o profissional se preocupe com a sua própria carreira e não entre ou colabore com este ciclo: se é fácil fazer isso? Não, é claro que não é.

Existe muita resistência a melhorar algo, desde motivos psicológicos, sociais (social aqui é a interação entre desenvolvedores) ou até financeiros. Investir, em um país com as taxas de juros do Brasil é algo realmente complicado e a intangibilidade da inovação não colabora em nada para isso. E inovação depende diretamente de investimento.

Porém, para responder a pergunta, apesar do quadro negativo, eu realmente prefiro pensar que estamos melhorando. Há várias inciativas por aqui promovendo o pensamento inovador, não só no plano técnico, mas também em termos de investimento. Como uma posição extremamente pessoal agora, se eu realmente achasse que não tem jeito, não estaria investindo o meu tempo promovendo temas e ideias para aprimorar (ou ajudar a aprimorar) os profissionais da área de tecnologia.

 

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Sobre rftafas 183 Artigos
Ricardo F. Tafas Jr é Engenheiro Eletricista pela UFRGS com ênfase em Sistemas Digitais e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC com ênfase em Gestão de Sistemas de Telecomunicações. É também escritor e autor do livro Autodesenvolvimento para Desenvolvedores. Possui +10 anos de experiência na gestão de P&D e de times de engenharia e +13 anos no desenvolvimento de sistemas embarcados. Seus maiores interesses são aplicação de RH Estratégico, Gestão de Inovação e Tecnologia Embarcada como diferenciais competitivos e também em Sistemas Digitais de alto desempenho em FPGA. Atualmente, é editor e escreve para o "Repositório” (http://161.35.234.217), é membro do editorial do Embarcados (https://embarcados.com.br) e é Especialista em Gestão de P&D e Inovação pela Repo Dinâmica - Aceleradora de Produtos.
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